Um projeto para a Cultura

Um projeto para a Cultura

Infelizmente, nem todos os gestores têm sido capazes de entender que o papel do poder público não é promover shows e eventos, mas sim articular, cooperar, facilitar
Notícia publicada na edição de 02/10/2012 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
A rodada de perguntas feita pela repórter Maíra Fernandes, deste jornal, aos quatro candidatos a prefeito de Sorocaba, publicada no domingo dentro do projeto Eleições 2012 ("Candidatos falam de planos para a cultura", págs. C2 e C3), permitiu que os prefeituráveis Raul Marcelo (PSOL), Iara Bernardi (PT), Antônio Carlos Pannunzio (PSDB) e Renato Amary (PMDB) esmiuçassem suas propostas para o setor, prometessem ações e melhorias que certamente serão cobradas pelos sorocabanos e explicitassem, com formulações teóricas e exemplos práticos, o que é Cultura para eles, e de que forma acreditam que o acesso aos bens culturais e ao fazer artístico pode contribuir para a inclusão, a cidadania, a qualidade de vida.

Embora todas sejam interessantes, quando lidas isoladamente, as quatro plataformas de governo se mostram ainda mais estimulantes lado a lado. É uma leitura possível, já que as ações só existem em tese, e nada impede que sejam tomadas em seu conjunto. De fato, o novo prefeito agiria sabiamente se, ao escolher seu secretário da Cultura, pedisse a ele para ler atentamente a edição do Cruzeiro do Sul do último domingo e estruturar uma proposta de trabalho que seja a síntese das quatro plataformas expostas, naquilo que têm de mais inteligente e original. E também que, ao fazê-lo, não se esquecesse de dialogar com os agentes culturais, para capturar seus anseios e prioridades.

Nessa política-síntese, não podem faltar a descentralização dos equipamentos públicos, para levar espetáculos artísticos aos bairros e oficinas culturais às escolas e centros esportivos (Raul Marcelo); a democratização da gestão, através de canais efetivos de participação para a condução das políticas públicas (Iara Bernardi); a profissionalização da produção cultural, com o poder público assumindo o papel de articulador entre artistas, leis de incentivo e iniciativa privada (Antônio Carlos Pannunzio) e a ampliação dos investimentos em projetos de formação musical e estímulo à leitura, por meio da criação de orquestras infantis nos bairros e ampliação da rede de bibliotecas escolares (Renato Amary).

Com orçamento maior para a pasta (compromisso assumido por todos os quatro candidatos) e gestão democrática -- que pode ser exercida por meio de consultas na internet e audiências públicas, além da revitalização do Conselho Municipal de Cultura e do redesenho da Comissão de Desenvolvimento Cultural (CDC), a fim de torná-la mais independente --, o novo secretário terá condições melhores de realizar muita coisa. No entanto, os efeitos benéficos das ações tenderão a diluir-se, caso o poder público não busque redefinir o papel que lhe cabe no desenvolvimento cultural da cidade.

Infelizmente, nem todos os gestores da Cultura têm sido capazes de entender que o papel do poder público não é promover shows e eventos, mas sim articular, cooperar, facilitar para que a produção cultural aconteça. O que se espera de uma Secretaria de Cultura não é que faça, mas que apoie quem queira fazer; não que concorra com quem produz, mas que integre os artistas e produtores culturais, organizando-os e potencializando seus trabalhos; não que funcione como balcão de empregos e favores, mas que viabilize os projetos da comunidade, com leis de incentivo, concursos e outros mecanismos livres de ingerência política.

Sobretudo, é preciso decidir: o que se pretende que a Cultura seja? Um caminho para a emancipação das pessoas ou uma forma de cativar seus votos? Algo capaz de tornar o povo protagonista das ações culturais ou a velha fórmula vertical que faz do povo um eterno espectador? Quanto mais narcisista e focada no interesse do governante, mais rasa é a política cultural. E, se é raso, pode-se até chamar por esse nome, mas certamente não é Cultura.
 

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